Jogador varzeano não tem o preparo para dar entrevista que
os jogadores profissionais têm. Na saída
para o vestiário após um primeiro tempo de 1 a 0, o repórter se dirige ao
“artilheiro”:
- E aí, Marcão? Como foi o gol que está dando a vitória ao
seu time?
Nesse momento, o sonho de todo o repórter, do cara que
cresceu ouvindo a transmissão da Gaúcha, do cara que trocou o churrasco de
domingo na casa do cunhado para participar da jornada esportiva, é de que o
jogador responda: “A bola sobrou pra mim e eu tive a felicidade de guardar.” Se
o jogador acrescentar “o importante agora é manter a tranqüilidade e ajudar os
meus companheiros a sair com os três pontos”, bom, daí é a recompensa total do
trabalho. É só isso que o repórter espera do jogador. Assim que o atleta vira
as costas, o repórter abre um sorrisinho de prazer. O único prazer que aquele
pobre diabo que está lá no jogo, em todos os jogos, e nunca marcará nenhum gol,
nunca erguerá nenhuma taça, pode ter. Mas na várzea tudo é diferente.
- O gol? Bom o Fabiano recebeu livre pela esquerda, foi
levando, passou pelo lateral, aquele do cabelo escovado, entrou driblando o
número quatro, fez um lançamento curto pra mim...
- É isso, obrigado Marcão. Esse foi o registro com o
atacante da equipe que está na frente.
-Pera aí! Eu não terminei de falar sobre o gol!
- Amigo, nós não estamos nem mais no ar!
-Não importa. Eu conto pra você então! Você viu que beleza
de gol? Eu disse pro professor que o caminho era esse mesmo. O Chico é bom, mas
não apóia tanto. Depois, esses cruzamentos longos não beneficiam quem chuta com
as duas pernas como eu. Preciso de bola no pé, daí eu desenvolvo mesmo. Marco
mesmo. Se sobra eu coloco pra dentro, com goleiro e tudo.
O repórter já está sem paciência.
-Sim, sim... Amigo, você não precisa entrar pra dentro do
vestiário? Ouvir as orientações do professor?
- Não, até porque entrar pra fora seria difícil né!
Brincadeira, brincadeira... Não, ele não tem nada pra dizer. A gente não tem
jogada ensaiada mesmo. Na verdade a gente se conheceu na hora de fardar. E quer
saber? Gostei mais de conversar com você. Ah, lá no time tem uns caras metidos,
sabe? Todo mundo trabalha a semana inteira e pensa no futebol do domingo. Tem
um bancário lá, cheio da grana, trouxe chuteira nova e agora tá reclamando das
bolhas. Prefiro conversar com você.
O repórter não sabe o que fazer. Não era pra ser assim. Na
sua cabeça estava esquematizado: ouvir o autor do gol, um jogador do outro
time, pegar uma palavrinha do treinador. Era pra isso que veio. Isso que
esperava. Isso era futebol! Não jogador corrigindo suas expressões, afinal, ele
estudou para estar aí. Várzea não era seu sonho, é verdade, mas é um começo.
Depois que Leandro Damião foi descoberto na várzea, sempre tem uma RBS da vida
de olho nessas peladas, a procura do próximo camisa nove. Quem sabe, não surge
uma oportunidade para um bom repórter, na grande mídia também...
Mas o jogador não arreda pé. “Está estragando tudo”, pensa o
repórter. “Todas as faltas vou dizer que foi esse infeliz que fez, eu juro”,
artimanha. Não tem jeito. O domingo está perdido, ele não conseguiu ouvir quem
programou, a rádio foi obrigada a colocar quinze minutos de Banda Eccos
enquanto esperava o reinício do jogo.
- Não é engraçado essas competições de várzea? No
profissional os caras ganham milhões para só fazer isso que a gente faz de
graça, só por prazer, depois de trabalhar a semana inteira, de verdade. -
Observa o jogador.
O repórter suspira e responde: “É... sou obrigado a
concordar. Semana que vem vou ter uma folguinha, sem plantão na rádio, e vou
marcar um joguinho com os amigos. Mas, afinal, em que você trabalha mesmo?”
- Sou repórter.
Olhar de ódio do entrevistador sobre o entrevistado que se
apressa em esclarecer:
- Mas ainda estou na pré-temporada...
Fim de jogo.