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domingo, 24 de fevereiro de 2013

Jogadores não vingam porque imprensa não faz pré-temporada



Jogador varzeano não tem o preparo para dar entrevista que os jogadores profissionais têm.  Na saída para o vestiário após um primeiro tempo de 1 a 0, o repórter se dirige ao “artilheiro”:
- E aí, Marcão? Como foi o gol que está dando a vitória ao seu time?
Nesse momento, o sonho de todo o repórter, do cara que cresceu ouvindo a transmissão da Gaúcha, do cara que trocou o churrasco de domingo na casa do cunhado para participar da jornada esportiva, é de que o jogador responda: “A bola sobrou pra mim e eu tive a felicidade de guardar.” Se o jogador acrescentar “o importante agora é manter a tranqüilidade e ajudar os meus companheiros a sair com os três pontos”, bom, daí é a recompensa total do trabalho. É só isso que o repórter espera do jogador. Assim que o atleta vira as costas, o repórter abre um sorrisinho de prazer. O único prazer que aquele pobre diabo que está lá no jogo, em todos os jogos, e nunca marcará nenhum gol, nunca erguerá nenhuma taça, pode ter. Mas na várzea tudo é diferente.
- O gol? Bom o Fabiano recebeu livre pela esquerda, foi levando, passou pelo lateral, aquele do cabelo escovado, entrou driblando o número quatro, fez um lançamento curto pra mim...
- É isso, obrigado Marcão. Esse foi o registro com o atacante da equipe que está na frente.
-Pera aí! Eu não terminei de falar sobre o gol!
- Amigo, nós não estamos nem mais no ar!
-Não importa. Eu conto pra você então! Você viu que beleza de gol? Eu disse pro professor que o caminho era esse mesmo. O Chico é bom, mas não apóia tanto. Depois, esses cruzamentos longos não beneficiam quem chuta com as duas pernas como eu. Preciso de bola no pé, daí eu desenvolvo mesmo. Marco mesmo. Se sobra eu coloco pra dentro, com goleiro e tudo.
O repórter já está sem paciência.
-Sim, sim... Amigo, você não precisa entrar pra dentro do vestiário? Ouvir as orientações do professor?
- Não, até porque entrar pra fora seria difícil né! Brincadeira, brincadeira... Não, ele não tem nada pra dizer. A gente não tem jogada ensaiada mesmo. Na verdade a gente se conheceu na hora de fardar. E quer saber? Gostei mais de conversar com você. Ah, lá no time tem uns caras metidos, sabe? Todo mundo trabalha a semana inteira e pensa no futebol do domingo. Tem um bancário lá, cheio da grana, trouxe chuteira nova e agora tá reclamando das bolhas. Prefiro conversar com você.
O repórter não sabe o que fazer. Não era pra ser assim. Na sua cabeça estava esquematizado: ouvir o autor do gol, um jogador do outro time, pegar uma palavrinha do treinador. Era pra isso que veio. Isso que esperava. Isso era futebol! Não jogador corrigindo suas expressões, afinal, ele estudou para estar aí. Várzea não era seu sonho, é verdade, mas é um começo. Depois que Leandro Damião foi descoberto na várzea, sempre tem uma RBS da vida de olho nessas peladas, a procura do próximo camisa nove. Quem sabe, não surge uma oportunidade para um bom repórter, na grande mídia também...
Mas o jogador não arreda pé. “Está estragando tudo”, pensa o repórter. “Todas as faltas vou dizer que foi esse infeliz que fez, eu juro”, artimanha. Não tem jeito. O domingo está perdido, ele não conseguiu ouvir quem programou, a rádio foi obrigada a colocar quinze minutos de Banda Eccos enquanto esperava o reinício do jogo.
- Não é engraçado essas competições de várzea? No profissional os caras ganham milhões para só fazer isso que a gente faz de graça, só por prazer, depois de trabalhar a semana inteira, de verdade. - Observa o jogador.
O repórter suspira e responde: “É... sou obrigado a concordar. Semana que vem vou ter uma folguinha, sem plantão na rádio, e vou marcar um joguinho com os amigos. Mas, afinal, em que você trabalha mesmo?”
- Sou repórter.
Olhar de ódio do entrevistador sobre o entrevistado que se apressa em esclarecer:
- Mas ainda estou na pré-temporada...
Fim de jogo. 

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

O MUNDO EM BLOCOS

  


O Muro caiu, mas o mundo continua dividido em lados. Quem presenciou a derrubada do Muro de Berlim, em 1989, relata que um espírito de incredulidade se misturava aos beijos e abraços de famílias que reencontravam.
Oriente e Ocidente viraram horizonte. Continuidade que não começa, nem termina, mas segue sempre, e, pela primeira vez na história, sem precisar saber para onde vai. Apenas segue.
Mais de vinte anos se passaram. Uma geração não viu o muro cair, ou não se lembra dele. Mas, apesar disso, o sentimento de incredulidade daquele momento não passou. A gelada Berlim ainda vive no inconsciente da humanidade.
Testemunhas do marco histórico contam que, embora não houvesse mais obstáculo físico, centenas de pessoas paravam na linha divisória do local, sem saber se avançavam ou não. Sim, pode-se entender o sentimento. Aqui estamos: 2013, com um muro que vive em nosso inconsciente. Sem saber se acreditamos que ele não existe, sem saber se avançamos.
Não há mais sistemas a serem discutidos. Há consensos e sensos comuns para tudo. O politicamente correto predomina. Os instintos foram rebaixados e substituídos por manuais práticos de tudo. Ainda estamos ou de um lado, ou de outro, por incrível que possa parecer.
Que mundo é esse que nunca aprendeu a viver sem divisórias? Por que é preciso catalogar e rotular tudo, e a todos? Confesso que me perco nesse processo. Talvez porque tenha nascido pós-1989 e sou meio “São Tomé”. Não vi o muro, logo não acredito nele.  Ou algo saiu errado na minha infância, porque eu não sei viver em lados. Pra mim o mundo é um território livre, pedindo pra ser explorado. O hoje não é um lugar estático e amanhã será tudo tão diferente.
As pessoas temem avançar sobre o que acreditam ser um muro, que simplesmente não existe. Não tiram os olhos dele, mas vão recuando, recuando, e quando percebem, caíram de costas no abismo de seus medos.
O muro é confortável pois te coloca entre os iguais e protege das diferenças. Afastamos-nos do que nos faria crescer. Não nos permite mudar de ideia e isso nos dá a falsa sensação de certezas.
 As pessoas se preocupam demais com as aparências e com a estabilidade. Agem pensando no futuro. Traem-se para garantir continuidade. Estou muito feliz onde estou e como estou, mas só consigo pensar que se daqui um, quatro, ou cinco anos não estiver mais aqui, é porque tudo deu certo. Por que esse medo de tentar? Seguimos, pois os obstáculos são colocados por nós e nossas convicções que teimamos em defender.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

ELA...


Ela mudou tudo em sua vida. Mas ainda senta no mesmo lugar - o local da espera. Ela não para de esperar.
Ela ainda quer mudar. Sair. Talvez voltar. Mas não tem mais tanta pressa.
Ela ainda olha para o céu sob o mesmo ângulo. Ainda sente-se mais perto dele por aquela vista.
Ela continua pensando mais na métrica de suas frases do que na organização de suas ideias. E as palavras deslizam sem compasso pela folha em branco.
Ela ainda pensa em mudar o mundo. “Vai menina, esse mundo é todo seu.” E ela vai. Sempre. Se arrepende. “Vai sem medo”, repete a frase que ouviu há algum tempo. E ela continua.
Ela se descobre forte. Não importa se ganha ou perde. Às vezes engole choro.
Ela tem saudade. “Por saudade, se isso foi ontem?” Mas não é mais. O peito aperta,a respiração acelera. O pulso treme. Risca e rabisca esse parágrafo. Não sabe como continuar.
“Ai, menina, para de ter saudade do futuro.” E ela vai vivendo. Deixa ser. Deixa. 
Ela faz listas. Risca os dias no calendário. Bagunça a mesa. Espalha as anotações. Usa o fone e esquece de ligar o som. Compõe sua música.
Amanhã, menina. Amanhã será um novo dia. Viverá com a experiência de ontem, te assustará com o hoje e sonhará com o amanhã. Traçará plano. Cumprirá metas. Vai menina... Não te esquece da tua meninice. 
Ela sorri.