No
livro “Gula – Clube dos Anjos”, Luís Fernando Veríssimo escreve que a fome é
o único desejo reincidente. Eu discordo. Pra mim, o único desejo reincidente é
o sono. Ele me acompanha e me devora em horas impróprias.
Enquanto
uma grande parte da humanidade tenta desesperadamente vencer o sono, outra
parte tenta conquistá-lo. Ninguém nunca está satisfeito com a quantidade de
horas que dorme. Isso porque o sono tem vontade própria. É ele quem manda na relação.
A última decisão é sempre dele, segundos antes de nos dominar.

Tentei
também a receita dos chás. Gosto de beber em copos, não em xícaras. Não sei o
porquê. Perco a conta de quantos copos bebo no horário do intervalo, enquanto
converso com as pessoas, escuto música, escrevo, estudo, e tento não cochilar
(e geralmente, tudo isso ao mesmo tempo). Mas, também não muda nada em relação
ao sono.
Sempre
fui fraca para isso. Quando era criança, pedia para meu pai contar histórias
pra mim no meio da tarde, quando estava bem acordada, pois, se esperasse até a
noite, eu apagaria sem saber o que vem depois do “era uma vez”. Até história de
bicho-papão me colocava na cama, fácil, fácil.
Lembro
da vez que precisei arrancar os dentes de siso. O dentista mal havia começado a
injetar a anestesia e eu já não sentia nada. Lembro dele feliz pelo lucro que
estava dando: duas extrações, quase sem gastar com anestesia. Na verdade, a
cadeira do dentista me dá sono, e aquele barulhinho das ferramentas é como música.
Não
tenho problemas para dormir, mas também não sou chata para acordar. Horário é
horário, independentemente das horas de repouso que tive. Nem acordo de mal
humor, nem nada. Durante o dia eu consigo controlar até que bem essa situação,
mas basta me recostar em algum lugar que não tem volta. Lembro das pessoas
reclamando pelas festinhas que o pessoal do fundo do ônibus fazia às
quintas-feiras, na volta da faculdade. Muitas vezes eu sentava próximo ao
fundo, mas não lembro de ouvir nada. Quintas-feiras é um dia especial para o
sono me vencer.
Ele
é forte, resistente, não aceita ouvir não. Vejo o sono materializado, me
segurando e não deixando eu parar no ponto certo de ônibus, nem dirigir à
noite... Mas, apesar disso, não o vejo como sombrio, amedrontador. Jamais. Sono
pra mim sempre foi sinônimo de sonhos, e os meus sempre são bem coloridos e, às
vezes, reais demais. Deve ser por isso: muitas vezes acordo cansada de tanto
sonhar.
Já
me acostumei também a resolver problemas durante o sono. Tinha uma época que
estava determinada a achar a solução para a dívida externa. Acho que tinha uns
nove anos nessa época, e sempre ouvia os grandes falando com preocupação sobre
isso, antes de me mandarem para a cama. E eu ia... Começava a pensar e adormecia tentando achar uma saída, nem que fosse crescer logo para
poder fazer parte das discussões. Mas, quando cresci, deixar de me preocupar
com os números e índices e comecei a me preocupar mais com o efeito deles na
vida das pessoas.
Embora
costume visualizar o texto pronto ainda quando ele está saindo da boca dos
entrevistados, tenho dificuldade de escrever a primeira frase e isso faz com
que trave todo o resto. Minha salvação é dormir. Meu cérebro está preparado
para resolver essas coisas “sem a minha presença”. Geralmente umas horas de
repouso me presenteiam com um lide prontinho para ser transformado em texto completo.
Pra
mim, todo sono é uma nova chance de começo. E tenho vontade de recomeçar
sempre: diferente e com mais intensidade. Nem que para isso precise me deixar
vencer algumas vezes...