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quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Dissimulações do cor-de-rosa



Sai cedo da aula ontem. Estava cansada e com a falta de motivação que tem sido corriqueira nas terças à noite. Sai da sala e fui caminhar. Pretendia ir até a biblioteca, abrir um livro qualquer e ler meia dúzia de páginas que não dissessem nada e que, de repente, poderiam mostrar algo surpreendente. Mas não precisei chegar até lá para encontrar o que eu buscava.
No Redondo, espécie de área comum a todos os cursos, havia uma feirinha de artesanatos e outras espécies de bugigangas. Nada de novo. Já passei por essas feirinhas umas trezentas vezes e, na Unisinos então, desde o início do curso. Sempre que passo por esse tipo de comércio, não consigo evitar dar uma olhadinha de lista de produtos expostos. Gosto de ver a variedade e ouvir a lábia que os vendedores aplicam para atrair os que por ai passam. Mas, não foi isso que me chamou atenção quando sai da sala.
A feirinha estava lá como sempre. E, logo que olhei, vi uma menina, com uns cinco, seis anos, toda encantada, fitando uma boneca que estava em uma das estandes. Com o olhar fixo, sem perder o foco uma única vez, ela seguiu em direção a boneca, em sentido diagonal, cortando o caminho por entre as pessoas que circulavam. O menino que a acompanhava, uns três anos mais velho, e presumo ser seu irmão, não demonstrava muita paciência para estar ali, olhando bonecas. Mas, nem mesmo o chamado insistente para que saísse dai e voltasse ao caminho por onde vieram fez a menina desgrudar da estande.
Olhei para essa cena e ao vê-la passando por mim em milésimos de segundos pensei que tinha encontrado a resposta que procurava a noite toda. Um início para esse texto que me tirou da sala, logo cedo, e me levou de volta para escrevê-lo.
Fiquei pensando naquela menina. Não sei o que estava fazendo naquele universo adulto, da mesma forma que não sei o que muitos de nós estamos fazendo lá. Pensei o quanto deve ter sido fascinante para ela descobrir que na Universidade há bonecas a escolher.
E, não é só para ela que o faz-de-conta é real. A maioria de nós está ai mais na farsa do que de resto. Temos uma vida além das duas horas e pouco que passamos na universidade a cada noite, embora cada vez menos temos tido tempo de vivê-la. Temos carreiras que exigem nossas energias para além das oito horas diárias que nos pagam. E, por tudo isso, cada vez mais, estamos na universidade para faz-de-conta.
A maioria de nós improvisa em todas as tarefas que nos são exigidas. “Damos um jeito” de cumpri-las nos nossos horários de almoço; vamos jogando-as para alguma hora da madrugada do final de semana, que é o único tempo que temos. Fazemos, mas, “daquele jeito” que faz lembrar o quanto deixamos de exercitar a nossa chance de sermos brilhantes.
Não, na vida real não faremos as coisas como nos trabalhos da faculdade. Sempre tenho a sensação de que o que é feito na aula não passa de uma simulação, onde fingimos que fazemos algo. Todas as tentativas de fazer algo próximo a realidade não passam de encenação. E isso não significa que sejamos maus profissionais na verdade (talvez apenas profissionais cansados).
A faculdade é um lugar onde conhecemos pessoas brilhantes que tiram oito. Gente que descobrimos ser de confiança na hora de dividir responsabilidades. Pessoas fascinantes que, nos momentos que não são de trabalho, ou seja, fora do horário de simulação, mostram o quanto se preocupam com o próximo, independentemente do lugar onde estejam. Gente que levaremos para toda a vida, mesmo que um dia nos formemos e seguimos por caminhos diferentes. E também, gente que dissimuladamente, vai ficar no faz-de-conta a vida inteira.
Profissionalmente, a maioria é bem diferente na universidade do que é na vida real. Ao contrário do que cobram no curso, no trabalho me esqueço, na maioria das vezes, de colocar barra no final das frases. Isso, porque me preocupo muito mais com o conteúdo que produzo do que com as malditas barras indicando quando a informação termina. A faculdade me obriga a moldar o conteúdo que não me instiga a produzir.
 Pessoalmente, as pessoas são como são, embora o sistema de avaliação não reconheça isso. Egocentrismo são premiados. Dissimulações recompensadas: o melhor é o que mente mais. E, talentos são desencorajados. Os melhores de verdade, da vida de verdade, são colocados na lista dos que não importa se estão na sala ou não, no plano das medianidades.
Sinto, e, lamento por isso, que muitas vezes precisei sair da sala para aprender sobre a importância da nossa profissão, uma vez que na aula, somos levados a acreditar que não há razão para estar ali. Mas, uma simples volta, prova exatamente o contrário. Sinto, e não lamento, que as principais coisas que aprendi sobre jornalismo nos últimos semestres, tenhas sido descobertas feitas depois da aula, em alguma roda de amigos e colegas que não estavam sendo obrigados a dissimular.
Ontem, quando voltava para a sala, a maioria dos meus colegas estavam já saindo. Encontrei com um no elevador que me perguntou se estava melhor. E, eu fui obrigada a responder: “Não. Estou bem pior e pronta pra escrever”. E foi assim, até essa última linha.  

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