Luíza foi para cama, a mãe a cobriu cuidadosamente e sentou-se ao seu lado. A menina com os olhinhos brilhantes a observava ansiosa. Por fim, a mãe começou a esperada história.
- Era uma vez...
- Mamãe?
- O que foi?
- Essa história é muito velha.
- Mas eu nem comecei a contar, você ainda não sabe de que história se trata! Como você pode dizer que ela é velha?
- Ora mamãe! A senhora disse: “era uma vez” e “era uma vez” já faz muito tempo... Eu não quero uma história que aconteceu no passado; como eu vou saber? Aposto que essas coisas nem acontecem mais...
A mãe ficou um pouco encabulada, sem saber o que fazer, afinal, todas as histórias que conhecia começavam por “era uma vez”, mas logo recuperou a compostura e mentalmente reformulou o início da narrativa, de forma que a tornasse mais contemporânea.
- Está bem. Vou começar de novo: em um belo dia de sol, a princesa passeava pelo florido jardim real, quando...
- Ah não! Não me diga que vai aparecer uma bruxa?
- Por que, Luíza?
- Porque sempre que há uma princesa feliz, em um dia bonito, num belo jardim, aparece uma bruxa e zás!
- Pois é, como você previu, Luíza, apareceu uma bruxa, feia e malvada que...
- Que enganou a princesa se fazendo passar por uma pessoa necessitada. A bobinha da princesa acreditou na conversa da megera e foi ajudá-la. Foi então que ela foi enfeitiçada.
- Parece que você já conhece essa história...
- Não, mas têm coisas que não se encaixam...
- Do que você está falando?
- Da história, é claro! Como a bruxa passou pela segurança do palácio?
A essa altura, a mãe já havia desanimado. Claro, como a bruxa passara pela segurança? Logo em um palácio, onde deve haver uma guarda treinada, alarmes de todos os tipos, câmaras de segurança... Nada entra lá sem ser visto, nem uma mosca, o que se dirá de uma bruxa disfarçada de mendiga?! Por isso era mais fácil contar a história com “era uma vez antes da invenção da segurança eletrônica”. Luíza tinha que complicar a narrativa... Mas, fazendo um esforço tremendo disse:
- A bruxa má havia feito um feitiço para que toda Guarda Real dormisse; mais do que isso, ela passou invisível pela vigilância das câmeras. Assim, ela chegou até onde estava a princesa, que ao ver a mulher maltrapilha, pedindo um prato de comida, foi ao seu encontro para ajudá-la.
- Que bom que no Brasil não há princesas; bobinhas do jeito que são, elas afundariam o país, mais do que os nossos presidentes.
- Psiu! Posso continuar?
- Sim, desculpa.
- Está bem. A princesa ficou enfeitiçada até que um belo príncipe que cavalgava por perto avistou a moça e foi ao seu encontro, para com um beijo apaixonado quebrar o encanto.
- Ta, só falta a senhora dizer que eles foram felizes para sempre.
- E eles foram felizes para sempre, mesmo!
- Como assim? Felizes para sempre? Eles não precisavam pagar contas e mais contas, ela nunca fez uma ceninha de ciúmes, ele nunca reclamou que ela ficava muito no telefone e etc e tal?
- Hum... Boa noite, Luíza, durma bem pois já está tarde demais para uma garotinha de seis anos estar acordada.
A mãe beijou a menina que já estava sonolenta com o enrolar do seu próprio pensamento, arrumou as cobertas mais uma vez e caminhou lentamente para a porta. Ao desligar a luz, ainda pensou que, não se fazem mais crianças como antigamente... Amanhã, nada de princesas, príncipes, bruxas e final feliz; a verdade, nua e crua, tirada da internet. Sorriu com carinho e falou baixinho:
- Não. Ela terá o resto da vida para o mundo real. Mesmo que ela já esteja mais esperta do que eu e não acredite mais nessas fantasias, mesmo assim, meu dever é enrolá-la por mais algum tempo...
Luíza dormia tranqüila e sonhava com um belo jardim florido e um príncipe encantado.