Pisei novamente em um campo de futebol nessa semana. Fazia
tempo que não revivia essa sensação. Demorei algum tempo, não sei se foram
minutos, ou apenas segundos, para me sentir à vontade no gramado. Sempre foi
assim: campo me tirava a noção de tempo. Sempre tinha um minuto a mais quando
precisava segurar o placar. Sempre tinha meia hora a menos quando precisávamos
dividir o campo com outros times.
A primeira bola que chegou em minha direção veio de um chute
forte e firme. Fiquei com medo. Medo do roxo. Será que aquilo não era mais para
mim? É verdade que minha função ali não era mais a mesma. Não tinha a missão de
dominar, nem chutar a bola. Estava ai para não deixar nenhum lance sem
registro. Fiquei com medo não só por mim, mas pelo equipamento. Tinha uma câmera
e uma lente pra defender.
Ao final do aquecimento, toda aquela energia de chutes
fortes sentou-se no banco para as orientações.
As bolas ficaram lá paradas, esperando alguém convidar para a
brincadeira. Se mostravam também para fotos. Elas, singelas e quietinhas. Elas,
o objeto mais visado da partida; inquietas, mas recompensadas. Resolvi
trata-las com um pouco de carinho. Nem lembrei dos roxos que já haviam me dado
na vida. Do dia que quebrei o dedo indicar da mão esquerda, devido um chute
certeiro.
Ergui uma das bolas e comecei uma série de balõezinhos.
Aquilo era divertido. Sempre gostei dessa parte do treino. Ficava fazendo o
movimento repetidas vezes, até superar o recorde anterior. Sempre queria deixar
registrada a marca, mas acabava mais cansada de contar do que jogar e desistia
na metade. Agora, alguns anos depois, vi alguns olhares surpresos em minha
direção. E me deixei vencer pela timidez. Parei e usei a bola como escorra para
o pé.
Sempre fui tímida. Até para jogar. Nunca quis marcar o gol.
Aprendi a driblar com a esquerda, para conseguir fazer a jogada para dentro do
campo e do adversário. Surpreendia a todos que sempre souberam que eu era
destra, até no raciocínio. Mas meu cruzamento com a esquerda surgia sempre como
inesperado. Deixava o centroavante na cara do gol.
Meus colegas sabiam de tudo isso. O time dos meninos sempre
tinha um jogador faltando, e eles precisavam recorrer ao banco feminino. Sempre
era a escolhida. Ficava satisfeita, apesar de cansada por fazer duas partidas
por dia. Time de colégio sempre tem a mesma lógica, em que, marcar o gol é a
consagração total. O time é escalado de acordo com o nível de habilidade de
cada um. Do pior para o melhor. Do goleiro ao atacante. E, ninguém quer ser goleiro,
nem zagueiro. Eu, satisfeita em vestir a camisa, sempre me oferecia, mas o
capitão era oportunista. Dizia que queria que eu jogasse na frente, junto dele.
Pela esquerda e para fazer a jogada para ele. Tímida, eu nunca chutava. Passava.
Ele marcava. Era uma boa parceria.
Mesmo dividindo o foco, minha timidez não diminuía. Às
vezes, me livrava logo da bola, só para me livrar dos olhares do público. Às
vezes, isso era ruim para o time. Mas, meu capitão sabia lidar comigo. Sempre
guardava a onze pra mim. A onze vermelha. A onze do Rafael Sobis. E eu me
transformava. A camisa era meu escudo, meu disfarce. Continuava sendo eu, com
meus erros e acertos, como é a vida, mas estava protegida.
Esta semana, voltei a lembrar dessa história. Anos mais
tarde, continuo a mesma menina tímida. Não posso mais usar a camisa do Sobis
para me defender. Nem tudo é um campeonato de escola. Já precisei encarar
“gente na defesa” com caras nada boazinhas. Todo dia fico frente a frente com
gente que não quer entregar o jogo. E eu ali: tentando desarmar; dar o bote, e
conseguir minha informação. A verdade é que o bloquinho de anotações ou a câmera
funcionam mais ou menos como a camisa: me disfarçam e dão coragem.
Agora, meu disfarce é de jornalista. Com ele eu posso
driblar algumas portas fechadas e, sobretudo, falar com segurança com as
pessoas. Acho que nunca vou vencer a
timidez. Também não quero. Nunca precisei marcar gol para ser escalada para o
time. Sempre gostei de futebol por isso: somos onze na vitória e na derrota.
Somos bons porque não precisamos do foco em alguém específico. Gosto de pensar,
no fim de tudo, que o disfarce não muda nada. Que sou eu, com ou sem ele. Mas,
por garantia, é bom ir usando.
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