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segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Disfarce




Pisei novamente em um campo de futebol nessa semana. Fazia tempo que não revivia essa sensação. Demorei algum tempo, não sei se foram minutos, ou apenas segundos, para me sentir à vontade no gramado. Sempre foi assim: campo me tirava a noção de tempo. Sempre tinha um minuto a mais quando precisava segurar o placar. Sempre tinha meia hora a menos quando precisávamos dividir o campo com outros times.
A primeira bola que chegou em minha direção veio de um chute forte e firme. Fiquei com medo. Medo do roxo. Será que aquilo não era mais para mim? É verdade que minha função ali não era mais a mesma. Não tinha a missão de dominar, nem chutar a bola. Estava ai para não deixar nenhum lance sem registro. Fiquei com medo não só por mim, mas pelo equipamento. Tinha uma câmera e uma lente pra defender.
Ao final do aquecimento, toda aquela energia de chutes fortes sentou-se no banco para as orientações.  As bolas ficaram lá paradas, esperando alguém convidar para a brincadeira. Se mostravam também para fotos. Elas, singelas e quietinhas. Elas, o objeto mais visado da partida; inquietas, mas recompensadas. Resolvi trata-las com um pouco de carinho. Nem lembrei dos roxos que já haviam me dado na vida. Do dia que quebrei o dedo indicar da mão esquerda, devido um chute certeiro.
Ergui uma das bolas e comecei uma série de balõezinhos. Aquilo era divertido. Sempre gostei dessa parte do treino. Ficava fazendo o movimento repetidas vezes, até superar o recorde anterior. Sempre queria deixar registrada a marca, mas acabava mais cansada de contar do que jogar e desistia na metade. Agora, alguns anos depois, vi alguns olhares surpresos em minha direção. E me deixei vencer pela timidez. Parei e usei a bola como escorra para o pé.
Sempre fui tímida. Até para jogar. Nunca quis marcar o gol. Aprendi a driblar com a esquerda, para conseguir fazer a jogada para dentro do campo e do adversário. Surpreendia a todos que sempre souberam que eu era destra, até no raciocínio. Mas meu cruzamento com a esquerda surgia sempre como inesperado. Deixava o centroavante na cara do gol.
Meus colegas sabiam de tudo isso. O time dos meninos sempre tinha um jogador faltando, e eles precisavam recorrer ao banco feminino. Sempre era a escolhida. Ficava satisfeita, apesar de cansada por fazer duas partidas por dia. Time de colégio sempre tem a mesma lógica, em que, marcar o gol é a consagração total. O time é escalado de acordo com o nível de habilidade de cada um. Do pior para o melhor. Do goleiro ao atacante. E, ninguém quer ser goleiro, nem zagueiro. Eu, satisfeita em vestir a camisa, sempre me oferecia, mas o capitão era oportunista. Dizia que queria que eu jogasse na frente, junto dele. Pela esquerda e para fazer a jogada para ele. Tímida, eu nunca chutava. Passava. Ele marcava. Era uma boa parceria.
Mesmo dividindo o foco, minha timidez não diminuía. Às vezes, me livrava logo da bola, só para me livrar dos olhares do público. Às vezes, isso era ruim para o time. Mas, meu capitão sabia lidar comigo. Sempre guardava a onze pra mim. A onze vermelha. A onze do Rafael Sobis. E eu me transformava. A camisa era meu escudo, meu disfarce. Continuava sendo eu, com meus erros e acertos, como é a vida, mas estava protegida.
Esta semana, voltei a lembrar dessa história. Anos mais tarde, continuo a mesma menina tímida. Não posso mais usar a camisa do Sobis para me defender. Nem tudo é um campeonato de escola. Já precisei encarar “gente na defesa” com caras nada boazinhas. Todo dia fico frente a frente com gente que não quer entregar o jogo. E eu ali: tentando desarmar; dar o bote, e conseguir minha informação. A verdade é que o bloquinho de anotações ou a câmera funcionam mais ou menos como a camisa: me disfarçam e dão coragem.
Agora, meu disfarce é de jornalista. Com ele eu posso driblar algumas portas fechadas e, sobretudo, falar com segurança com as pessoas.  Acho que nunca vou vencer a timidez. Também não quero. Nunca precisei marcar gol para ser escalada para o time. Sempre gostei de futebol por isso: somos onze na vitória e na derrota. Somos bons porque não precisamos do foco em alguém específico. Gosto de pensar, no fim de tudo, que o disfarce não muda nada. Que sou eu, com ou sem ele. Mas, por garantia, é bom ir usando.

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